Friday, September 10, 2010

O sussurro

Hoje tive um sonho. Estranho. Daqueles que se descrevem de uma forma tão bizarra que quase me sinto tentada a encará-los como familiares. Mas não seria uma hipérbole estabelecer uma ligação desta natureza com algo que no fundo não tinha posse? Seria condicionar a sua liberdade, encurrala-la, revelando-lhe, ainda que de forma figurada e personificada, que os seus dias de independência e rebeldia estavam inevitavelmente a terminar. Talvez esteja a exagerar. Quando me deixam falar demais, tendo, sem que eu própria me aperceba, a divagar ligeiramente, quase a levitar.

Julgo que o sonho era um sussurro. Atrevo-me a esta metáfora porque, de algum modo, existe nele um tom subtil e suave. Inicialmente, podia tomá-lo como doce. Não abusivamente porque, se assim o fosse, corria o risco de se considerar repugnante. No entanto, havia algo mais. E o que é imperceptível a uma primeira vista, revela-se significativo ou até mesmo crucial em capítulos seguintes.

O sussurro iniciou, desta forma, o período de reconhecimento. O espaço de tempo durante o qual exibia um comportamento baseado na diplomacia, numa tentativa astuta de compreender melhor os tempos que ameaçavam chegar. Contudo, não me iludo, o útil juntou-se ao agradável. Estudar as futuras situações pode parecer fundamental mas definir numa fase precoce uma clara superioridade é tão ou mais prioritário. Foi o que fez, sem mais demora. Eu até achava piada.

Era um sussurro oportunista. Apercebi-me isso quando o meu subconsciente me contou, sensatamente apreensivo, que por detrás da brandura claramente expressa havia em si um lado pretensioso e sedento de atingir objectivos. Discretamente, tentava conduzir a conversa, dar-lhe o rumo desejado. Dirigia-se a mim num tom formal. E, mais importante que tudo, era o tom de quem colocava convicção no seu discurso, por mais falacioso que fosse.

Rira-se. Rira-se espalhafatosamente, abanando simultaneamente a cabeça como quem pensa: és tão ingénua. E, de repente, cessara e encarara-me com uma expressão séria.

Era a minha deixa. Esbocei o sorriso mais sarcástico que conhecia. Virei costas para contemplar o dia que despontava e abandonei o sussurro, perdido na veneração do seu narcisismo arrogante.

Tuesday, September 7, 2010

Temor

Eu ouvi o grito dos meus

Em vozes mudas

E de estridentes

Passaram a puras.


A tecla do piano estava gasta,

O vazio preenchia-a

E eu já nem sabia

Se me achava magoada ou perdida.


As pancadas na porta

Aterravam a taciturna escultura,

Ora esbofeteando a sua frágil face

Ora esfaqueando-a sem piedade alguma.


Então,

Sussurrava-me o seu terror, o medo

Como que temendo

Por uma vida esquecida.


Vi apenas.

Era tarde para abraçar

O que não conhecia.


Quero que o escuro me envolva

E me faça sua eterna amiga.

Monday, September 14, 2009

Untitled.

No mesmo lugar, à mesma hora. Ela esperava pacientemente que o clarão de luz invadisse o sombrio espaço onde se encontrava, denunciando a presença de alguém. Era uma espécie de ritual. Um ritual que se tornava insignificante à medida que o tempo passava. Em cada momento pautado pelo girar frenético dos ponteiros do relógio.

A espera deixou de ser paciente. O ar era demasiado rarefeito. Estava cansada de afagar os seus cabelos em busca de consolo. Estava exausta de bebericar o líquido espesso do seu copo. Levantou-se repentinamente derrubando tudo à sua passagem. A cólera invadiu-a secretamente sem que ela tivesse oportunidade de a persuadir. No seu acesso fugaz de raiva, ela caminhava firmemente, intocável e inabalável. A inexistência de rumo começava a corroer o seu interior.

E eis que de forma instantânea tudo muda.

As lágrimas brotam e percorrem o seu rosto fatigado e traído. O sol irradia-a. A nostalgia atormenta-a. Os seus pés começam a percorrer um pequeno tufo de erva que a conduz a um velho banco de jardim. Aí deita-se desesperada. Num sofrimento exageradamente retratado no seu choro compulsivo. Os seus sonhos eram demasiado utópicos, o que a entristecia. E essa realidade atingia-a como um soco quando a sua infelicidade alcançava o auge. Uma infelicidade que no fundo se revelava relativa. Como o clarão que nunca aparecia, como a sua estranha existência. Tudo era tão relativo.